quarta-feira, novembro 22, 2006

À espera de um avião


* É necessário avisar aos leitores que esperam por um texto sobre a crise dos controladores de vôo de que, na verdade, os personagens deste conto exercitam um outro tipo de espera aeronáutica.
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Faltavam vinte minutos para o avião chegar. O Aeroporto Romeu Zema não recebe muitos vôos diários, talvez dois. Depois de fazer o registro do passageiro, não há muito mais a se fazer na parte interna do aeroporto, principalmente quando sua única lanchonete, não parecendo muito ávida a fisgar clientes, deixa para assar o pão-de-queijo naquele momento que o passageiro já está enganando muito bem a sua fome, e mandando-a esperar mais vinte minutinhos, pois ficou sabendo que o avião fornecerá um lanchinho. Mesmo nesta ditadura de vôos extremamente econômicos. Calimério não resistiu.Até porque passageiro ele não era no dia.Pagou o preço de seis pães-de-queijo da cidade, e levou apenas um, queimando as entranhas da boca e as pontinhas dos dedos que se arriscaram a segurar o maldito. Que estava bom, pelo menos.
Levou-o correndo para o lado de fora do aeroporto, na esperança dos ventos de todos os lados soprarem um pouco a quentura da guloseima.
Chegou no local sagrado para mais outros três colegas seus, que já estavam lá: a mini pracinha do lado de fora do aeroporto, que oferece uma vista perfeita para a pista.
Olegário trouxe seu radinho de pilha de sempre. O que adiava o exercício de memória dos outros três colegas, e ninguém lembrava de trazer radinho também.
O do Olegário era suficiente.
Franklin e Ana Jacinta, na maioria das vezes, aproveitavam aqueles encontros para atualizarem os amassos. Mesmo assim poucos amassos, pois o foco de todos era um só: a chegada do avião.
A coisa funcionava assim: Olegário trazia o radinho de pilha, demorava aproximadamente quinze minutos, mas no final achava a sintonia das conversas do piloto do avião com o aeroporto.
Era o acompanhamento perfeito para os passeios no aeroporto.
Tinham a divertida sensação de serem hackers de aeroporto.
Mesmo as letras e números indecifráveis para outros já eram como familiares antigos para a trupe.
Entendiam tudo que o piloto falava com o controlador de vôo do aeroporto.
Mas isso era apenas o começo.
Certa vez o piloto, numa destas conversas, assumiu que traçara a aeromoça novata ali na cabine mesmo, a vários pés de altura. Perguntara-se na época se ela estava querendo " subir" na carreira. Mas confessou que traçou-a a vários pés de altura, e usou pé também, na área glútea, para despachá-la. A fila andava, dizia nas ondas do radinho o comandante garanhão.
Calimério nunca cansava de contar esta história para seus amigos do bairro Alvorada, onde morava.
A trupe de quatro, sempre à espera do avião do dia, colecionava histórias para contar.
Calimério e Olegário, aposentados.
Franklin e Ana Jacinta, herdeiros preguiçosos que buscavam sempre algo pra preencher aqueles dias intermináveis em Araxá. Sabiam que quanto menos coisas faziam, menos coisas tinham pra fazer.
Naquele dia, Calimério completou a traçada do pão-de-queijo, escutou o radinho do Olegário para as preliminares, e observou o pouso perfeito do comandante garanhão.
Vinte minutos atrasado.
Por preguiça do comandante mesmo. Demorou pra acordar no dia.
Calimério pegou sua bicicleta e despediu-se dos amigos que moravam em outros bairros.
Eram quatro quilômetros até no Alvorada, para fazer a digestão das conversas do dia.
E do pão-de-queijo atrasado.
No dia seguinte lá estará Calimério e a trupe de quatro.
À espera de um avião.

* O uso da foto foi uma cortesia ainda não autorizada do Buteco do Edu.
Atualizando horas depois: cortesia agora autorizada, e eu indico com louvor o Buteco do Edu, e sua defesa pelas coisas simples da vida.




11 comentários:

Anônimo disse...

Passei para deixar uma beijoca e desejo de bons ventos nessa semana, Fred!

beijos meus, muitos!

MM

Marina disse...

hehehehehehe... Isto me lembra as manias de cidade do interior. Eu morei numa. Sei bem do que se trata. Mas nunca tinha ouvida um causo tão bem contado quanto este.
Adorei!

Beijos grandes.

Jéssica disse...

Esperar avião comendo pão de queiko é bão d+ da conta, sô... e se de quebra tiver um cafezinho... afe... daí eu choro...rs...
Passa lá no meu 'lugar gostoso', além de outras coisas boas, tem doce tb... Beijosssssssssss

Fred Neumann disse...

gente, antes de tudo eu quero confessar uma gafe, que está passando despercebida até o momento: no texto eu dizia que o Calimério não resistia e comprava o pão-de-queijo. Tá, tudo bem...mas porque não resistiria? Não era porque ele era passageiro, e teria um lanchinho dentro do avião em vinte minutos? Deveria ser. Mas hoje eu coloquei uma frase mágica que acredito deverá salvar o conto, hehehe...A frase é a " Até porque passageiro ele não era no dia." Quem já leu, confira de novo, e veja como faz falta a tal frase.

Hey, querida MM, beijocas pra você, passei no seu blog hoje mesmo!
Valeu, cara Nikita, como eu disse outro dia, metade da população no interior é falada, a outra metade famosa, hehehe.
Beijones!

dooooce, Jes? É comigo mesmo!Pegando o avião pro Lugar Gostoso! Smacks!

Hey, querida Moniquinha, devo assumir: eles existem mesmo, hehehe.
Como você me chamou de Forest, e eu adoro este personagem, vou citar aqui uma coincidência com ele: chocolates. Ao menos naquela frase dele: " life´s like a box of chocolates: you never know what you´r gonna get."

Beijos gerais e até mais tarde,

Fred

Anônimo disse...

Adorei o texto. =)
É muito bom poder se divertir com pequenas coisas. Hoje em dia está tudo tão grande e tão rápido que as pessoas esquecem do simples e singelo.
Um abraço!
Mari

Andreas Toscano disse...

Soh uma pergunta, tem alguma jogada nessa frase: "Sabiam que quanto menos coisas faziam, menos coisas tinham pra fazer." Ou eh soh para reforcar que nao tinham nada MESMO para fazer?

abrs

Fred Neumann disse...

Oi, cara Mari, foi a simplicidade da pracinha do aeroporto que me inspirou a fazer este conto.

Hermano Deas, a opção selecionada é a b.É pra reforçar que eles não tinham porcaria nenhuma pra fazer mesmo, hehehehe!

Abrações,

Fred

Anônimo disse...

, bom ler causos mineiros por aqui.
agradecido pela visita em quimeras. volte quando desejar. voarei por aqui também. é sempre bom receber mineiros...
|abraços meus|

Fred Neumann disse...

Valeu, Pedro! Também gostei muito do seu espaço blogueiro lá! Voltarei sempre.

Abraços,

Fred

O Sibarita disse...

Olá Fred! Meu camarada em vez do pão de minas, me faz um favor: coloca o acarajé, o abará levado a um um cravinho de responsa feito pelo Diolindo aqui na Ribeira( bairro de Salvador) acompanhado de uma cabrocha do balaio grande.
Valha-me Deus Nosso Senhor! Assim, o embarque pode atrasar não horas e sim dias... kkk

O Conto está muito bacana mesmo, ainda bem que você corrigiu o Calimério.

abraços,
O Sibarita

Fred Neumann disse...

Rapaz!!
Sibarita, foi só um trechinho que você escreveu, mas eu já imaginei todo um conto!!
E só vocês craques baianos da palavra,pra escrever.
Então prefiro ver um desses aí no seu blog, dia desses!
Pode ser em forma de poesia, eu aceito, hehehe!

Abraços,

Fred